Má nutrição durante a gravidez é suscetível de potenciar doenças cardíacas nos filhos

Um estudo hoje divulgado pela Universidade de Coimbra (UC) concluiu que a má nutrição durante a gravidez tem “um forte impacto no coração do feto”, aumentando o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares a longo prazo.

Desenvolvido por uma equipa de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da UC, o estudo, que tinha como objetivo avaliar se a subnutrição materna provoca alterações ao nível das mitocôndrias (os organelos celulares produtores de energia) no coração dos fetos, sugere que “estes bebés deverão receber seguimento médico ao longo da vida, dado o seu risco aumentado para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares”.

Realizada com recurso a um modelo animal, esta investigação averiguou que uma redução moderada de 30% na quantidade de alimento fornecida às mães durante a gravidez produz alterações profundas na função das mitocôndrias cardíacas dos bebés, sublinha a UC, em nota enviada.

Verificou-se que as referidas alterações interferem no modo “como as mitocôndrias produzem energia e na forma como estas participam em várias funções celulares indispensáveis, o que pode promover o aparecimento de disfunções cardíacas mais cedo na idade adulta”.

“Foi possível estabelecer uma relação de causa entre a alimentação das mães durante a gravidez e a função cardíaca dos descendentes”, explica Susana Pereira, primeira autora do artigo e investigadora do CNC-UC e do CIAFEL — Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (UP).

Também se observou que o efeito da subnutrição durante a gravidez é mais acentuado no coração dos fetos do sexo masculino. Esta diferença, segundo os autores, pode explicar a diferente suscetibilidade de homens e mulheres para doenças cardíacas durante a vida.

Paulo Oliveira, líder de grupo no CNC-UC e coautor do estudo, concretiza “Juntamente com outros artigos resultantes deste projeto”, conclui-se que “a subnutrição e a sobrenutrição durante a gravidez têm efeitos muito semelhantes na função mitocondrial da descendência”. Resultam daí alterações que poderão explicar a maior suscetibilidade a doenças hepáticas, renais ou cardíacas observadas em filhos de mães sobre ou subnutridas (..)” ao longo da gravidez.

As alterações na estrutura e função mitocondrial cardíaca devido à má nutrição materna estão implicadas na programação do desenvolvimento cardíaco e, provavelmente, influenciam a saúde cardíaca a longo prazo.

Os resultados obtidos “podem contribuir para o desenvolvimento de novos biomarcadores para o diagnóstico precoce, permitindo intervenções oportunas para melhorar a saúde cardiovascular ao longo da vida”, concluem os autores do estudo.

Já publicado na revista científica Clinical Science, este trabalho faz parte de um projeto alargado, a decorrer desde 2009, que pretende identificar os efeitos da nutrição durante a gravidez na saúde dos fetos, nomeadamente ao nível da função da mitocôndria, e que, além da UC e da UP, envolve duas universidadesnorte-americanas–  Wyoming e Texas Health Science Center, em San Antonio.

Filhos de mulheres com hipertensão durante a gravidez têm um risco aumentado de AVC na idade adulta

Um estudo, que incluiu 5,8 milhões de crianças avaliadas ao longo de quatro décadas, mostrou que, na idade adulta, a incidência de acidente vascular cerebral (AVC) era maior nos indivíduos cujas mães tinham tido hipertensão arterial (HTA) ou pré-eclâmpsia na gravidez. Os resultados deste trabalho foram apresentados na ESC Heart & Stroke 2021, uma conferência online, que decorreu entre os dias 2 e 4 de junho, promovida pela European Society of Cardiology (ESC).

“O estudo indica que os filhos de mulheres com hipertensão durante a gravidez têm um risco aumentado de AVC e, potencialmente, de doença coronária após os 41 anos de idade”, afirmou a autora do estudo, a Dr.ª Fen Yang, estudante de Doutoramento no Karolinska Institutet, em Estocolmo, na Suécia. “É necessário conduzir estudos com um período de seguimento mais alargado, com o objetivo de confirmar estes resultados e de melhorar o entendimento em relação a possíveis mecanismos que estão subjacentes a estes achados.”

Estudos prévios sugeriam que as crianças nascidas de mães com hipertensão durante a gestação tinham um risco aumentado de nascimento prematuro, restrição do crescimento fetal e fatores de risco cardiovascular, nomeadamente pressão arterial elevada, obesidade e diabetes numa fase mais tardia da vida. Este estudo, que procurou avaliar a relação entre a HTA materna e o risco aumentado de AVC e doença coronária isquémica na idade adulta dos filhos, baseou-se em registos de base populacional de dois países: Suécia (1973-2014) e Finlândia (1987-2014). Os distúrbios hipertensivos incluíam pressão arterial elevada (com início antes ou durante a gravidez) e pré-eclâmpsia.

Dos 5,8 milhões de crianças avaliadas neste estudo, mais de 218 mil (3,76%) eram filhos/as de mães que tiveram distúrbios hipertensivos durante a gravidez. Após mais de 40 anos de follow-up, 2340 (0,04%) destes descendentes tinham sido diagnosticados com doença coronária isquémica e 5360 (0,09%) com AVC. Os investigadores concluíram que a exposição fetal à hipertensão na gravidez está associada a um risco 29% e 33% superior de doença coronária isquémica e de AVC, respetivamente. “Na eventualidade de estudos posteriores validarem estes achados, podemos começar a prevenção das doenças cardiovasculares nestas crianças nascidas de mães com HTA”, acrescentou a Dr.ª Fen Yang.