Vítor Paixão Dias: O risco cardiovascular tem de ser encarado como um todo
O 15.ª Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global decorre a partir de sexta-feira, dia 26, e até domingo, 28, em formato virtual. Um modelo que, de acordo com o presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, Vítor Paixão Dias, constituiu um desafio para a organização. Em foco vai estar, como a designação do evento indica, o risco cardiovascular global, porque, de acordo com o especialista, não faz sentido abordar isoladamente a hipertensão. A multidisciplinaridade é o caminho, tal como a terapêutica tem evoluído no sentido de dar uma resposta combinada.
Jornal Médico (JM) | Em que medida foi importante manter o congresso?
Vítor Paixão Dias (VPD) | O congresso de 2020 da Sociedade Portuguesa de Hipertensão foi, porventura, o último antes da declaração da pandemia. Fizemo-lo em fevereiro, que é o nosso mês habitual.
Este ano, para percebermos como proceder, baseámo-nos na experiência de outros congressos virtuais e vimos que correram bem. Sendo certo que nunca colocámos em causa não o fazer. Primeiro, porque é o ponto mais alto em termos de formação científica. E porque há também a questão da vida financeira da própria sociedade: é evidente que o congresso anual é um suporte importantíssimo. Do ponto de vista social, infelizmente, está prejudicado: é durante estes eventos que se alargam e sedimentam as redes de contactos e tenho muita pena que não o consigamos fazer este ano.
A única questão em que tivemos dúvidas foi no modelo. Porque, inicialmente, pensámos que poderia ser um modelo híbrido, com algumas pessoas presentes em sala, mas a evolução da situação fez-nos perceber que seria impossível. Por isso, o congresso será todo online. E, curiosamente, a adesão é elevada. De um ponto de vista, está facilitada porque é gratuita. Mas, no mínimo, teremos o número de pessoas que costumam estar presencialmente. De outro ponto de vista, sabemos que estar muitas horas à frente de um ecrã não é viável. Este é claramente um grande desafio em termos de organização.
JM | Tendo em conta o formato, que ajustes sofreu o programa?
VPD | Como disse, foi um desafio. Como transmitir o que queríamos transmitir, o que era importante transmitir, em termos de reforço da informação e de atualização de conhecimentos, num congresso deste tipo. Procurámos tornar o congresso o mais dinâmico possível, encurtámos o programa, encadeámos as sessões sem haver grandes espaços mortos e eliminámos as sessões simultâneas.
Penso que conseguimos um programa equilibrado e, grosso modo, manter aquilo que eram as vertentes do programa em moldes tradicionais. Assim, mantivemos o curso d formação em hipertensão e risco cardiovascular dirigido aos mais novos, sobretudo aos internos; mantivemos as parcerias com sociedades congéneres; conseguimos ter um espaço dedicado à pandemia, que era inevitável, bem como manter os simpósios patrocinados pela indústria, que, obviamente, são um suporte financeiro, mas também um veículo muito importante de formação complementar do ponto de vista científico, pois permitem interatividade e levantar as questões do estado da arte.
JM | A propósito, qual é o estado da arte no que toca à terapêutica da hipertensão?
VPD | A hipertensão deve ser entendida num contexto mais global de risco vascular. Cada vez faz menos sentido falar em congresso de hipertensão ou em congresso de colesterol.
Mas, do ponto de vista da hipertensão arterial, não tem havido medicação nova, há é estratégias novas de chegarmos aos nossos doentes, o que passa, muitas vezes, por melhorar a adesão. Muitos dos doentes são polimedicados, e é sempre mais fácil conseguir adesão se lhes forem explicadas as vantagens da polifarmácia. O caminho é no sentido de juntar num mesmo comprimido várias substâncias que vão reduzir o risco. Temos assistido a essa estratégia. Por outro lado, em algumas áreas de risco vascular, há algumas inovações. Em termos de colesterol, por exemplo, mas muito em termos de diabetes, em que há grandes novidades quanto a fármacos e estratégias. Mas o doente diabético não é só diabético, também tem colesterol alto, também pode ser hipertenso… Temos de o encarar do ponto de vista global.
E todos somos poucos. Temos de olhar para a vertente dos cuidados de saúde primários, que é onde está a maior parte dos doentes. Aliás, o nosso grande parceiro e destinatário no congresso anual é, precisamente, a Medicina Geral e Familiar.
Não interessa muito se é o diabetologista que coloca o medicamento para o colesterol e melhora a tensão ou se é o médico que está a tratar a tensão que esta a tratar também do colesterol e a melhorar a diabetes. Ou se é o internista ou o especialista de Medicina Geral e Familiar. Tem de tratar o doente na sua multidisciplinaridade quem está capaz de o fazer.
Temos de falar em equipas e não esquecer que há outros profissionais de saúde que podem e devem ter uma parte ativa na educação para a saúde– estamos a falar de profissionais de Enfermagem, de Nutrição, de Serviço Social, às vezes.